Naquela manhã em que Liberty City finalmente despejou sua última gota de chuva cinzenta, eu estava sentado num bar de esquina com uma garrafa de bourbon que sabia mais sobre a vida do que eu. O jogo? Ah, sim, “GTA III”. Uma obra-prima embrulhada em jornal sujo, como um peixe morto que ainda se debate. É um grito no vazio, um soco na cara da sociedade. Você joga não por diversão, mas por necessidade, como beber para esquecer que você tem que acordar amanhã. GTA 3 foi a sequência mais inovadora no mundo dos games. Se Jesus vivesse nos dias de hoje, ao invés de transformar agua para o vinho, transformaria GTA2 em GTA3.
Quando foi lançado, Liberty City, essa megera, éera mais real do que qualquer cidade em que já estive. Ela respirava desespero e transpira crimes, como se fosse construída sobre fundações de sonhos quebrados e promessas vazias. O protagonista é um cara sem nome, um rosto sem história, que me lembra cada homem que já vi refletido em poças de uísque no fundo do copo. Ele é traído, jogado de lado como um cigarro no asfalto molhado, mas ele se levanta. Sempre se levanta. Por quê? Porque não tem mais merda nenhuma a perder.
Dirigindo por essas ruas, eu sinto cada buraco, cada beco sujo como se fossem minhas veias pulsando com sangue envenenado pelo álcool. Os gráficos? Eles são como a primeira namorada que você nunca esquece. Não porque era bonita, mas porque te marcou com suas garras quando o mundo ainda parecia novo e assustador. Hoje em dia pode não parecer grande coisa, mas na época era a coisa mais bonita que tinha visto na vida.
A jogabilidade é crua, um soco no estômago seguido de um beijo. É liberdade com um preço, o tipo que te faz questionar se você está jogando o jogo ou ele está jogando você. A trilha sonora, mais do que marcar época, moldou o caráter de uma geração. Faltou N’Sync e Backstreet Boys, mas ninguém é perfeito. É o ritmo sob o caos, a dança lenta de alguém que perdeu tudo, exceto a vontade de continuar se movendo.
Em “GTA III”, eu encontrei um espelho quebrado, refletindo pedaços de um mundo eu teria bebido até secar. Ele captura a essência da luta, da sobrevivência, de arrastar-se pelos becos da existência com nada além de uma risada rouca e uma recusa em se render. É poesia escrita com sangue em um muro de concreto, é a risada de alguém que sabe que o inferno é apenas um quarto sem saída.
Então, eu brindo a Liberty City e ao seu lindo pesadelo. Eu brindo ao cara sem nome, porque, no final, todos somos sem nome, apenas sombras dançando na parede de um mundo em chamas. “GTA III” não é um jogo. É uma confissão. É a vida, com todas as suas cicatrizes expostas, gritando na cara de um mundo surdo. E eu? Eu apenas bebo mais um gole, porque amanhã, Liberty City e eu, teremos mais um dia de sujeira para enfrentar. Joguei para PC numa Vodoo3, que deixava a experiência ainda mais lisérgica, com glitches que não eram defeitos e sim características de uma época que não volta mais.